A versão final do Projeto de Lei nº 2.308/2023 (“PL”) que institui o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono foi sancionada em 02 de agosto, e agora passa a vigorar sob a Lei nº 14.948/2024 (“Marco Legal do Hidrogênio”), que entre outros:
- dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono,
- cria o Regime Especial de Incentivos para a Produção do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), e
- cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).
Houve veto presidencial aos dispositivos do PL que tratavam dos créditos fiscais concedidos ao segmento.
Quais as principais inovações do Marco Legal e pontos de atenção? E quais os possíveis impactos nos setores energéticos?
Tipos de Hidrogênio
O Marco Legal define os diferentes tipos de hidrogênio com base em suas origens e métodos de produção:
- Hidrogênio de baixa emissão de carbono: Hidrogênio combustível ou insumo industrial obtido a partir de fontes diversas de produção, cuja emissão de GEEs seja menor ou igual a 7kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido).
- Hidrogênio renovável: Coletado como hidrogênio natural ou obtido de fontes renováveis como biocombustíveis ou pela eletrólise feita a partir de fontes renováveis. Para fins do texto final, foram consideradas como fontes renováveis em um rol exemplificativo as seguintes fontes: solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras definidas pelo poder público.
- Hidrogênio verde: Produzido pela eletrólise da água a partir de fontes de energia renováveis ou que venham a ser reconhecidas como renováveis.
A classificação é essencial para que possam ser criadas políticas de incentivo e diretrizes específicas para cada tipo de hidrogênio.
Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono
O Marco Legal institui a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que tem, entre seus objetivos:
- incentivar a produção do hidrogênio no país,
- promover a ampliação da matriz energética nacional,
- proteger o meio ambiente frente a emissão de gases poluentes,
- ampliar a competitividade na produção e comercialização de hidrogênio, entre outros.
Quais os instrumentos presentes na Política para atingir seus objetivos?
Os 4 instrumentos atribuídos à Política são:
- Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2)
- Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC)
- Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2)
- Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio (REHIDRO)
- Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2)
O Programa terá atribuições instituídas por regulamento editado pelo Conselho Nacional de Políticas Energéticas – CNPE e executará a Política Nacional por meio de ações de governança.
Para tanto, o PNH2 contará com um Comitê Gestor (Coges-PNH2) encarregado de coordenar ações e políticas públicas de incentivos à produção e ao uso do hidrogênio.
O Comitê será composto por até 15 membros integrantes do Poder Executivo, além de 1 representante dos Estados/DF, 1 representante da comunidade científica e 3 representantes do setor produtivo.
(!) Pontos de Atenção
- A forma de escolha dos representantes que não integram o Poder Executivo será definida por meio de regulamento, de modo que ainda não há clareza sobre quais critérios técnicos serão considerados para a escolha.
- A princípio, verifica-se baixa representatividade de membros integrantes da comunidade científica/setor produtivo na composição do Comitê, o que pode ser relevante frente à complexidade e à tecnicidade que envolvem o hidrogênio.
- Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC)
A versão final do PL dispunha sobre a criação do PHBC – programa de desenvolvimento que, entre outros, concederia créditos fiscais na ordem de R$18 bilhões, entre 2028 e 2032, aos projetos que comercializarem hidrogênio de baixa emissão de carbono e hidrogênio de renovável. No entanto, os dispositivos que tratavam de seu detalhamento foram submetidos a veto presidencial e não constam da versão publicada do Marco Legal do Hidrogênio no Diário Oficial da União.
Segundo mensagem de veto, a técnica legislativa empreendida na redação dos referidos dispositivos violava conceitos instituídos na legislação financeira e orçamentária, além de refletir imprecisões decorrentes do dinâmico trâmite legislativo perpassado pelo PL.
Entre as imprecisões apontadas, destaca-se o fato de que, no decorrer de sua tramitação, o PL deixou de atrelar os créditos fiscais à Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Apesar de ter sido apresentado na mesma data de aprovação do Marco Legal um novo Projeto de Lei (PL nº 3027/2024) que visa aperfeiçoar a redação dos dispositivos que tratam do PHBC, fato é que este era um dos mecanismos da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono mais aguardados, dada a sua natureza de incentivo fiscal, o qual ficará pendente de definição até a aprovação do novo normativo.
- Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2)
O SBCH2 corresponderá ao ambiente nacional voluntário de certificação de hidrogênio, o qual contará com regramento sobre a competência de fiscalização e credenciamento de empresas certificadoras de hidrogênio, as atribuições dos players no processo de certificação, e os padrões técnicos de aferição da emissão de GEEs a serem definidos em regulamento.
Conforme o Marco Legal do Hidrogênio, as certificações emitidas em território nacional pelo SBCH2 deverão assegurar a integralidade ambiental e a inexistência de dupla contagem, de modo que o sistema contará com critérios para a suspensão/cancelamento de certificações despadronizadas e instrumentos de flexibilidade em casos de perda temporária de especificação.
A criação de um ambiente sólido de certificação e em linha com os requisitos globais poderá contribuir para o protagonismo do Brasil no mercado mundial, uma vez que permitirá que países importadores do hidrogênio brasileiro avaliem as suas características e qualidade.
- Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio (REHIDRO)
O REHIDRO é o programa de incentivo que concederá aos produtores de hidrogênio a isenção de PIS/PASEP e COFINS incidentes na aquisição de maquinário e materiais destinados à criação de obras de infraestrutura voltadas à produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
O benefício vigorará por até 5 anos, contados a partir de 01/01/2025, e os agentes habilitados estarão autorizados a emitirem debêntures de infraestrutura – isentas de imposto de renda – para financiarem a construção de plantas de hidrogênio.
(!) Pontos de Atenção
- Agentes optantes do Simples Nacional não poderão aderir ao programa.
- O Poder Executivo será responsável por regulamentar os requisitos de habilitação ao REHIDRO, demandando cautela para evitar a criação de burocracias excessivas, a imposição de restrições que limitem a habilitação de agentes e a redução da competitividade no setor.
O que já se sabe sobre a regulamentação do Marco Legal do Hidrogênio?
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será responsável por autorizar, regulamentar e fiscalizar a produção e comercialização de hidrogênio, seus derivados e carreadores no país por empresas ou consórcios de empresas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil, incluindo, mas não se limitando, ao estabelecimento de requisitos para a obtenção de outorgas, transferência de titularidade, dispensas, entre outros.
A demais atividades relativas ao hidrogênio também serão de competência da ANP, como a de carregamento, processamento, tratamento, importação e exportação, armazenagem, estocagem, acondicionamento, transporte, transferência e revenda.
Agentes já autorizados a produzir hidrogênio, seus derivados e carreadores terão prioridade perante a ANP na tramitação de autorização para a realização das atividades relativas ao hidrogênio descritas acima.
A Agência também ficará responsável por expedir declarações de utilidade pública para permitir a construção de infraestrutura destinada à produção de hidrogênio.
É importante reconhecer o moderno mecanismo de sandbox regulatório incorporado no Marco Legal do Hidrogênio, que permitirá à ANP adotar soluções individuais e editar normativos relacionados às atividades previstas no Marco Legal até que seja expedido regulamento.
(!) Pontos de Atenção
- A redação do Marco Legal do Hidrogênio confere à ANP ampla competência para a regulamentação do hidrogênio, o que exige uma atuação cautelosa da Agência (inclusive por meio do mecanismo de sandbox regulatório) para evitar a criação de entraves e a imposição de obstáculos excessivamente onerosos que restrinjam o desenvolvimento do segmento.
- O Marco Legal do Hidrogênio também atribui à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a competência de emitir Declarações de Utilidade Pública para permitir o acesso de projetos ao sistema de transmissão e/ou distribuição – desde que estes sejam destinados à produção do hidrogênio de baixa emissão. O Marco Legal do Hidrogênio também permite que as autorizações expedidas antes de sua vigência sejam convalidadas, mediante análise da Agência em até 180 dias.
- As demais agências reguladoras, segundo o Marco Legal do Hidrogênio, poderão regular e autorizar as atividades relacionadas à produção do hidrogênio renovável, o que exige das agências uma atuação conjunta e cautelosa, para não criar entraves ou disposições conflitantes que venham a prejudicar o desenvolvimento do mercado.
O que o Marco Legal do Hidrogênio traz sobre gestão de riscos e meio ambiente?
Considerando o impacto ambiental de projetos de hidrogênio e a periculosidade da molécula, o Marco Legal do Hidrogênio estabelece diretrizes específicas que os empreendedores deverão adotar no gerenciamento de riscos de acidentes ou desastres.
Para tanto, será necessário elaborar Plano de Ação de Emergência – PAE, Plano de Gerenciamento de Riscos – PGR e Estudo de Análise de Risco – EAR, o que reforça o compromisso do Marco Legal do Hidrogênio com a integridade e proteção ao meio ambiente, uma vez que, por meio deles, é possível avaliar a vulnerabilidade do empreendimento frente a vegetação local, prever possíveis danos ambientais, implementar sistemas de monitoramento, entre outros.
(!) Ponto de Atenção
- Os critérios e a forma de elaboração de tais documentos serão definidos por regulamento, motivo pelo qual ainda não há visibilidade do procedimental envolvendo o licenciamento de projetos do segmento.