Em 31 de janeiro de 2024 entram em vigor as regras do CONAR a serem observadas na criação e divulgação de publicidade cujo objeto seja a promoção de apostas.
A premissa geral é que o serviço de apostas é um serviço impróprio para determinados públicos, e por isso a publicidade de apostas deve ser feita de maneira socialmente responsável, não devendo estimular o exagero ou o jogo irresponsável. Atenção especial é dada à proteção de crianças, adolescentes e públicos em situação de vulnerabilidade.
Nossos profissionais da equipe de Propriedade Intelectual e Sportainment prepararam um conteúdo detalhado que endereça as principais consequências dessa regulação e como aqueles afetados por ela podem se adequar.
- Como funciona a regulamentação da publicidade de apostas no Brasil?
Em geral, a atividade publicitária no Brasil é submetida tanto ao controle privado, por meio da atuação do CONAR – Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária, quanto ao controle estatal, exercido pela administração pública (p.ex. por meio do PROCON) e pelo Poder Judiciário.
O CONAR é uma associação privada sem fins lucrativos, formada por publicitários e profissionais de outras áreas e mantida pela contribuição de anunciantes, agências e veículos. A sua missão é atender a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou dos próprios membros dos órgãos associativos do CONAR e avaliar se as peças publicitárias estão em conformidade com a legislação, inclusive com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
No caso específico das regras do CONAR sobre apostas, elas estão inseridas no Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e vêm complementar o disposto na Lei nº 14.790/23 (especialmente nos artigos 16 a 18), além do disposto na Lei 13.756/2018 e na Portaria Normativa nº 1.330/2023 do Ministério da Fazenda.
- Quais as principais regras aplicáveis à publicidade de apostas?
O Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária atualmente prevê que a publicidade de aposta deve:
- Fazer menção explícita à natureza comercial da publicidade – mediante a inclusão de termos como “publicidade” ou “parceria paga”
- Indicar claramente quem é o anunciante, identificando sua autorização/licença e apontando o contato e canal para atendimento ao consumidor
- Apresentar informações verdadeiras sobre o serviço ofertado e seus riscos
- Incluir link ou outra forma de acesso do consumidor aos dados completos da aposta;
- Ao mencionar os valores, apresentar informações sobre a incidência de descontos, impostos e taxas
- Incluir aviso de “18+” ou “proibido para menores de 18 anos” e age gate nos sites e perfis do anunciante
- Apresentar em destaque apenas pessoas que tenham e pareçam ter mais de 21 anos
- Usar canais ou influenciadores que tenham adultos como público-alvo
- Ter um alerta padronizado de forma legível e destacada dentre as frases abaixo:
- Jogue com responsabilidade
- Apostar pode levar à perda de dinheiro
- As chances são de que você está prestes a perder
- Aposta não é investimento
- Apostar pode causar dependência
- Aposta é assunto para adultos
Por outro lado, a publicidade de aposta não deve:
- Divulgar ganhos certos, fáceis e/ou elevados
- Induzir a ideia de que a aposta levará ao enriquecimento ou de que a aposta é um investimento
- Sugerir a ilusão de controle do consumidor sobre a aposta
- Associar as apostas ao sucesso
- Encorajar o exagero ou uma postura imprudente, criminosa ou antissocial
- Promover apostas como meio de aliviar problemas ou recuperar valores
- Sugerir ou oferecer crédito/empréstimo aos consumidores
- Ter crianças e adolescentes como público-alvo
- Incluir conteúdo voltado para menores de 18 anos
Vale lembrar que a Lei nº 14.790/23, que regulamenta as apostas, prevê também que é vedada a publicidade ou propaganda comercial que:
- tenha por objeto ou finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a prévia autorização exigida por esta Lei
- veicule afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar
- apresente a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social
- sugira ou dê margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro
- contribua, de algum modo, para ofender crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta
- seja veiculada em escolas e universidades ou promova apostas esportivas dirigidas a menores de idade
- seja realizada em meios de comunicação, físicos ou virtuais, sem o aviso de classificação indicativa da faixa etária direcionada
- Quando entram em vigor as regras para a publicidade de apostas?
As regras do CONAR entrarão em vigor em 31 de janeiro de 2024. Contudo, haverá modulação da obrigatoriedade de identificação expressa da autorização/licença obtida pelo anunciante responsável pela publicidade, uma vez que o Ministério da Fazenda ainda não criou a secretaria que vai monitorar o setor, inclusive quanto à emissão de autorizações. As regras previstas na Lei nº 14.790/23 estão em vigor desde 30 de dezembro de 2023.
- Quem é impactado pelas regras?
Todos aqueles que direta ou indiretamente se relacionam a prestação de serviços de apostas e à sua publicidade. Como exemplo podem ser citados:
- empresas e sites de apostas esportivas
- clubes e instituições patrocinados por empresas de apostas
- agências de publicidade
- produtoras de conteúdo
- empresas anunciantes
- veículos de comunicação
- influenciadores
- embaixadores das marcas
- Quais as principais consequências do descumprimento das regras?
No âmbito do CONAR, o descumprimento das regras para publicidade de apostas pode resultar em:
- advertência dos responsáveis pelo anúncio (respondendo, na medida de seu poder decisório, os diretores e qualquer pessoa empregada em firma, companhia ou instituição que tome parte no planejamento, criação, execução e veiculação do anúncio)
- recomendação de alteração ou correção do anúncio
- recomendação para veículos que sustem a divulgação do anúncio
- divulgação pública da posição do CONAR com relação ao anunciante, à agência e ao veículo em razão do não cumprimento das medidas e providências determinadas pelo CONAR
Embora as medidas impostas pelo CONAR envolvam essencialmente recomendações, elas costumam ser muito eficazes uma vez que os anunciantes, as agências e os veículos mais relevantes do Brasil são membros do Conselho e prezam pelo cumprimento das recomendações.
Além das consequências no âmbito do CONAR, a publicidade irregular pode também ensejar responsabilidade penal, cível e administrativa daqueles que a praticam e/ou se envolvem em sua prática.
Do ponto de vista penal, o Código de Defesa do Consumidor apresenta uma série de condutas definidas como crimes, puníveis com multa, reclusão e/ou detenção, como é o caso de fazer declarações falsas ou enganosas sobre os serviços e realizar propaganda que induza o consumidor a agir de forma prejudicial ou perigosa para sua saúde ou segurança.
Do ponto de vista cível, as consequências podem envolver a obrigação de se alterar ou interromper a divulgação da publicidade, bem como de reparar os danos (individuais ou coletivos) por ela causados.
Há que se considerar, ainda, que no caso das disposições da Lei nº 14.790/23, cujo cumprimento é fiscalizado pelo Ministério da Fazenda, as consequências incluem:
- termos de compromisso para cessão das condutas
- advertência
- multa de até R$2 bilhões por infração, aplicada em dobro no caso de reincidência
- suspensão parcial ou total do exercício das atividades por até 180 dias
- cassação da autorização, extinção da permissão ou da concessão, cancelamento do registro, descredenciamento ou ato de liberação análogo
- proibição de obter titularidade de nova autorização, outorga, permissão, credenciamento, registro ou ato de liberação análogo, pelo prazo máximo de 10 anos
- proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação, pelo prazo máximo de 10 anos
- proibição de participar de licitação que tenha por objeto concessão ou permissão de serviços públicos, na administração pública federal, direta ou indireta, por prazo não inferior a 5 anos
- inabilitação para atuar como dirigente ou administrador e para exercer cargo em órgão previsto em estatuto ou em contrato social de pessoa jurídica que explore qualquer modalidade lotérica, pelo prazo máximo de 20 anos
- Como assegurar que essas regras serão respeitadas?
Algumas medidas recomendadas para se assegurar a observância das regras são:
- Adoção de uma política de compliance com todo o ecossistema regulatório de apostas, uma vez que as regras do CONAR exigem a observância de regras específicas do setor, como aquelas estabelecidas pelo Ministério da Fazenda
- Criação e implementação de política interna com regras a serem seguidas em projetos que envolvam empresas de apostas, incluindo a realização de workshops e/ou elaboração de guias informativos
- Avaliação de se os parceiros que serão envolvidos na publicidade de aposta estão cientes dos requisitos legais aplicáveis ao setor (inclusive influenciadores, embaixadores e parceiros comerciais)
- Definição de cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações de conformidade com relação às regras específicas aplicáveis à publicidade de apostas e a alocação de responsabilidade em caso de violação dessas regras, especialmente em contratos de serviços de agência de publicidade; contratos de produção de conteúdo; contratos de patrocínio e contratos de marketing digital.