A incidência do IVA nas operações com energia elétrica estava um pouco solta no PL nº 68/24. Não havia, na redação original do projeto, dispositivos que customizassem minimamente a reforma tributária para essa mercadoria tão peculiar. Sob a almejada neutralidade da tributação do consumo, operações com energia eram tratadas como venda de calçados…
O Senado Federal cuidou de aprumar a matéria, endereçando alguns aspectos específicos do segmento energético, que foram em boa hora consolidados na Lei Complementar nº 214/25. A incidência monofásica no momento do consumo da energia e a definição dos responsáveis pelo recolhimento do IVA conforme o ambiente de contratação (art. 28, caput e §1º) são bons exemplos desses ajustes.
Outro ajuste relevante foi a expressa desoneração da geração distribuída de energia. Ficou excluída da base de cálculo do IVA a energia retirada da rede por empreendimentos de micro e minigeração com potência máxima de 1 mW – até, é claro, o limite da respectiva energia injetada (art. 28, §§ 3º e 4º).
A LC nº 214/25 essencialmente reproduz, para o IVA, o que o atual Convênio ICMS nº 16/15 concede para o ICMS. Sucede que esse convênio foi editado sob os contornos originais da geração distribuída no Brasil, previstos na RN Aneel nº 482/12, limitados a projetos com potência máxima de 1 mW. Em novembro/15, a RN Aneel nº 687 ampliou para 5 mW esse limite de potência, e ainda criou o regime de “geração compartilhada”, que deu uma nova e muito mais ambiciosa dimensão ao mercado de geração distribuída brasileiro.
Esperava-se que o Confaz adequasse então o Convênio nº 16/15 a esses novos parâmetros, mas isso nunca ocorreu. Lamentavelmente, a LC nº 214/25 agora repete o equívoco, assumindo uma anacrônica concepção do mercado de geração distribuída de uma década atrás…
Muitos Estados – SP e MG, por exemplo – já modernizaram unilateralmente (isto é, à revelia de previsão convenial) suas legislações de ICMS, ampliando a isenção para minigeração de até 5 mW, e estendendo-a à geração compartilhada de matriz solar fotovoltaica. A LC 214/25 poderá significar, então, não apenas um “não-avanço”, mas até mesmo um retrocesso em relação ao cenário atual, pois projetos de geração compartilhada solar de potência superior a 1 mW, hoje desonerados de ICMS em muitos estados, poderão sujeitar-se ao IVA nos termos do art. 28, §§3º e 4º da lei complementar.
O IVA, porém, incide apenas sobre operações onerosas com bens e serviços (LC nº 214/25, art. 4º). Como se sabe, a energia injetada na rede em geração distribuída, compensada por meio do Sistema de Compensação de Energia Elétrica – SCEE, tem a natureza de empréstimo gratuito do minigerador à concessionária distribuidora (Lei nº 14.300/22, art. 1º, XIV e RN Aneel nº 1.000, art. 2º, XLV-A).
A energia compensada em geração distribuída, assim, está simplesmente fora do campo de incidência do IVA. A “magnânima” exclusão de base de cálculo do art. 28, §§3º e 4º da lei complementar é, a rigor, irrelevante e desnecessária, como já era irrelevante e desnecessário o próprio Convênio ICMS nº 16/15.
Caso as autoridades fiscais pretendam exigir o novo tributo sobre operações de geração distribuída que não atendam os restritivos parâmetros do art. 28, §§3º e 4º da LC 214/25, entendemos que haverá bons fundamentos para afastar a exigência, com respaldo no art. 4º da própria lei complementar.