A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, no dia 21 de agosto de 2023, o Parecer de Orientação CVM 41 (Parecer), com o objetivo de orientar os investidores e participantes do mercado sobre a utilização de instrumentos viabilizadores do acesso ao mercado de capitais pelas Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), bem como transmitir a visão da CVM a respeito de como a Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021 (Lei da SAF), a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S.A) e a regulamentação já editada pela CVM podem ser integradas harmonicamente.
O propósito do Parecer é transmitir as visões da CVM acerca do papel da autarquia no que diz respeito a:
- disciplina das SAF que busquem se registrar como companhias abertas;
- interpretação das disposições presentes na Lei das S.A. e na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 em temas relacionados à Lei da SAF, sob a ótica do mercado de valores mobiliários.
Esse é o primeiro documento oficial emitido pela CVM sobre o tema desde a introdução da Sociedade Anônima do Futebol no ordenamento brasileiro.
Os principais pontos abordados no Parecer são relativos à formação do capital social, governança corporativa e, sobretudo, a captação de recursos pela SAF por meio de instrumentos no mercado de capitais, de forma a efetivar os planos de reestruturação de dívidas e de financiamento para projetos de investimento dentro da indústria do futebol.
Em relação às principais interpretações da CVM contidas no Parecer sobre as formas de acesso das SAF ao mercado de capitais, destacamos o seguinte:
Capital Social e Governança Corporativa
Sobre a formação do capital social da SAF, em caso de contribuição de bens tangíveis e intangíveis (marca, uso de estádio, direitos econômicos de atletas etc.), a CVM orienta os assessores das instituições que tenham o intuito de acessar o mercado de valores mobiliários a observar as normas contábeis aplicáveis desde a sua constituição, bem como a contratação de auditor registrado na CVM que possa assegurar a avaliação dos ativos e passivos transferidos para a sociedade do futebol.
Quanto a governança corporativa, o Parecer destaca as limitações previstas pela Lei das SAF em relação ao exercício do poder de controle, como a impossibilidade do acionista controlador de uma SAF deter participação direta ou indireta em outra SAF, ou da proibição de um acionista relevante com participação mínima de 10% das ações votantes de uma SAF, e que possua qualquer número de ações emitidas por outra, em exercer voz ou voto nas assembleias gerais ou participar da administração de todas essas sociedades.
O Parecer também indica a obrigatoriedade de participação de membros independentes no Conselho de Administração das SAF registradas como companhias abertas. O assunto, inclusive, é tratado pelo PL 2978/23, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, e que propõe a reforça da Lei das SAF para, entre outras mudanças, instituir tal obrigação de membros independentes para os Conselhos de Administração e Fiscal dessas sociedades.
Como forma de assegurar que estes e outros aspectos importantes de governança corporativa sejam garantidos pelas SAF ao acessarem o mercado de valores mobiliários, a CVM recomenda a implementação de sistemas internos de acompanhamento, incluindo exigências periódicas de declaração de conformidade pelos acionistas.
Abertura de Capital e Distribuições Públicas
Na hipótese de uma oferta pública inicial de ações (IPO), a SAF estará sujeita ao mesmo arcabouço normativo aplicável às companhias abertas em geral, consubstanciado principalmente nas Resoluções CVM 80, de 29 de março de 2022, e CVM 160, de 13 de julho de 2022.
Destaca-se, contudo, a particularidade das SAF em relação às Ações Ordinárias de Classe A, destinadas exclusivamente para o clube de futebol ou pessoa jurídica original que a constituiu, e dotadas de direitos de voto afirmativo em questões fundamentais como a alteração das cores, hino oficial, mascote e demais identidades próprias e históricas associadas ao futebol e sua torcida. Tal particularidade vai de encontro com a proibição da Lei das S.A., imposta a companhias abertas, de emissão e manutenção de mais de uma classe de ações ordinárias, ressalvada, apenas, a adoção do voto plural, nos termos do art. 110-A da mesma Lei.
A posição adotada pela CVM a este respeito foi de reconhecer uma exceção autorizativa à regra geral, de natureza proibitiva. Portanto, em relação às SAF, serão admitidas as Ações Ordinárias de Classe A, para subscrição exclusiva pelo clube ou pessoa jurídica original constituinte da SAF, e outra classe de Ações Ordinárias destinada ao público investidor. Naturalmente, as Ações Ordinárias de Classe A não estarão admitidas à negociação em bolsa ou mercado de balcão.
Debêntures-Fut
Espécie particular de debêntures trazida pela Lei da SAF, como instrumento específico de financiamento para essa modalidade empresarial, cujos recursos captados deverão ser alocados no desenvolvimento de atividades ou no pagamento de despesas ou dívidas relacionadas às atividades típicas das SAF.
A CVM ressalta que a SAF deverá observar, em complemento às normas próprias da sua legislação, as disposições previstas na Lei das S.A., bem como a regulação da CVM para as debêntures em geral.
Na hipótese em que a SAF promova a emissão de debêntures regida exclusivamente pela Lei das S.A., em outra modalidade que não as Debêntures-Fut, a CVM esclarece que, nesse caso, não se aplicará o conteúdo exclusivo da Lei das SAF, mas que deverão ser observadas as regras e limites comuns às demais Sociedades Anônimas brasileiras.
Equity Crowdfunding
O equity crowdfunding, modalidade de investimento lastreado em participação societária e que consiste na captação de recursos por meio de plataforma eletrônica de oferta pública de distribuição de valores mobiliários emitidos por sociedade empresária de pequeno porte, também está disponível para uso pelas SAF. Contudo, para que possa ser enquadrada como tal, a SAF deverá auferir receita bruta anual de até 40 milhões de reais no exercício social anterior ao da oferta, salvo contrário poderá captar recursos por meio da oferta pública convencional de valores mobiliários.
É possível às SAF acessar o mercado de capitais por meio da emissão de valores mobiliários tokenizados, registrados em redes de registro distribuído (distributed ledger technology), mantidas as demais regras relacionadas aos limites e condições para acesso pelo mecanismo disciplinado na respectiva regulamentação.
O Parecer também menciona a emissão de fan tokens pelas SAF, mas esclarece que tal modalidade de ativos, conhecidos como utility tokens e não relacionados a quaisquer direitos políticos ou econômicos de participação nessas sociedades, estão fora da jurisdição regulatória da CVM.
Fundos de Investimento
A SAF, como qualquer outra sociedade de capital, pode se valer, a depender da finalidade da captação, de recursos disponibilizados por fundos de investimento, por exemplo:
- Fundos de Investimento em Ações, para aquisição das ações emitidas pela SAF;
- Fundos de Investimento em Participações – FIP, com o objetivo de investimento em participação societária da SAF;
- Fundos de Investimento Imobiliários – FII, com o objetivo de viabilizar projetos imobiliários de interesse da SAF, como a construção ou reforma de arena, estádio ou centro de treinamento;
- Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, para aquisição de direitos creditórios detidos pela SAF, a exemplo de direitos de transmissão, receita de bilheteria, pagamentos provenientes da negociação de atletas, patrocínios, dentre outras fontes de recursos.
Operações de Securitização
As SAF também podem se valer de operações de securitização, sejam estas estruturadas por meio de fundo de investimento ou por emissão de certificados de recebíveis.
A CVM orienta as SAF e seus respectivos assessores a debruçarem-se na descrição dos fatores de risco das ofertas e dos emissores, de forma a auxiliar os investidores a formar criteriosamente sua decisão de investimento, com alertas que visam reduzir o viés emocional do torcedor para uma formação consciente e informada de sua decisão de investimento.
Adicionalmente, a CVM também fornece orientações relativas aos deveres de suitability, publicações, transparência, comunicados ao mercado e fatos relevantes.
Esclarece-se, por fim, que o propósito do Parecer foi de oferecer orientações iniciais aos agentes em geral, podendo emitir novas manifestações ou editar regulações específicas.
Conclusão
O Parecer divulgado pela CVM apresenta as primeiras impressões da autarquia reguladora do Mercado de Capitais sobre as estruturas disponíveis para a captação de recursos pela SAF perante a poupança popular. Caberá agora aos participantes desse mercado observar as novas experiências e debates que surgirão ao longo da sua construção, e como será a atuação reguladora da CVM durante esse processo.
As equipes de Mercado e de Sportainment do Madrona Fialho seguirão atentas aos novos capítulos que estão por vir, e permanecem à disposição de seus clientes e parceiros para prestar quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.